APLICAÇÃO FILOSÓFICA MAÇÔNICA
APLICAÇÃO FILOSÓFICA MAÇÔNICA
Ir. Marigildo de Camargo Braga
Palestra proferida em 25/5/99 na reunião do Colégio de
Grandes Inspetores do REAA do Sul de Minas Gerais, realizada em Poços de
Caldas, no Templo da ARLS Timoneiros do Sul de Minas, GOB.
A Maçonaria tem como um de seus
principais escopos a prática filosófica. Ela se credita como uma Instituição
Filosófica. É o que dispõe o item I, da Constituição do Grande Oriente do
Brasil, ao enquadrá-la no título I "Da Maçonaria e seus princípios" e
Capítulo I "Dos princípios gerais da Instituição".
A palavra Filosofia é formada por duas raízes : "amor,
tendência ou aspiração" e "saber". A primeira raiz outra coisa
não é senão a tendência ou aspiração à Segunda, ou seja, à sabedoria. Essa
formação já fora empregada por Heródoto e Tucídides.
Mas, no fundo, o que busca a Filosofia na sua busca através
da Sabedoria? É a busca da verdade pela verdade. E a Maçonaria almeja que
cheguemos à verdade, através dos ensinamentos transmitida aos seus filiados,
embora com o uso do simbolismo.
A prática da Filosofia não é como se costuma pensar uma
simples prática de gabinete. Para o maçom ela não deve ficar jungida
simplesmente às discussões que possam advir nos momentos de estudo ou no
relacionamento com seus irmãos. Ela tem um caráter profundo que demanda o
aperfeiçoamento do próprio eu, para que possamos relacionar com o outro. É a
posse de si, considerada como tarefa de toda vida humana. É o que nos ensina
Seneca: "Quem se possui não perdeu nada; mas quantos são os que tem a
felicidade de se possuir?" Nesse relacionamento com o outro, na busca da
verdade para nós mesmos e possibilitar que essa mesma verdade possa resultar
cristalina no pensamento de nosso semelhante, é que a prática filosófica
maçônica não deve ser encadeada no interior dos Templos.
A atitude de um dos maiores filósofos da humanidade nos
demonstrou isso. Não se enclausurou no seu gabinete, não estava encimado pelo
egoísmo de tudo saber e nada transmitir. Não se amedrontava de expor suas
idéias, embora soubesse que elas constituiam, como sempre determinaram, um
perigo para aquele que infunde ao raciocínio do igual. Sócrates nos demonstrou
essa circunstância determinante, Iá à praça pública procurando despertar a
consciência adormecida, não só dos seus pares, mas do próprio povo em geral.
Não trazia explicitada a verdade. Ela não era colocada de imediato ao
conhecimento do seu interlocutor. Através de sua dialética, fazia com que seus
ouvintes chegassem a uma compreensão do que então lhes parecia velado,
depositado no inconsciente. Podemos dizer que ele foi o primeiro psicanalista
da história a fazer vir ao consciente o que havia sido sepultado no
inconsciente ou se encontrava no pré-consciente. Sim, porque o psicanalista não
tem uma forma de dar ao analisando um caminho já pronto, mas através da própria
exposição, este último chega, através da racionalidade do ego, a trazer à tona
o que já havia sido depositado, quer pela imposição ambiental, quer pela
genética, ou, até mesmo pelo "inconsciente coletivo".
Um pretenso filósofo, - ou que o seja total, - ou quem se
filia a uma instituição filosófica, não pode ficar sentado atrás de sua mesa de
trabalho, com o simples saber que aquele pertence, contentando-se a ouvir e não
perquirir ou se ater a simples livreto, bastando-lhe as conjecturas, não
colocando em movimento os infindáveis neurônios que subsistem para cumprirem as
sinápses determinadas pelo conhecimento advindo; não aceitando ou tendo velado
seus ouvidos no recebimento de qualquer sopro de outros pensamentos, para
direcionar seus pensamentos e fazer aqueles que não estão afeitos à ciência da
sabedoria, à Ciência de todas as coisas por suas últimas razões, possam
conhecê-la. Simplesmente está agregado a uma instituição, não é parte atuante
dela.
A Sabedoria nos faz conhecer os princípios da moral,
seguí-los, possibilitando ao homem o cumprimento do seu destino.
Ao filósofo cabe, através de sua ilustração procurar
destruir a ignorância, instruir o semelhante , fazê-lo chegar à
verdade. No Grau 14 encontramos explícita essa determinação: "A
ignorância a ninguém suporta, é mister pois educar o povo".
Não é dentro da Loja Maçônica que exclusivamente assim
devemos agir, pois se presume que ao ser iniciado o neófito não é ignorante e
já andou procurando desvendar o véu da verdade. E os ensinamentos vão se
intensificando através do simbolismo dos rituais. O maçom persegue a verdade e
não fica estático nos seus conhecimentos filosóficos. Como se tem proclamado
"a Maçonaria é a verdade em ação. Não estacionando no simbolismo irá
subindo na escada do conhecimento filosófico. Principalmente, no Grau 33,
temos perguntas formuladas pela nossa inteligência e pela nossa ânsia de
conhecer o desconhecido, que não podem ser olvidadas e virarmos às costas às
suas elucidações. Isso porque, a Filosofia Maçônica, como a própria Filosofia
em si, constitui um saber diferenciado. Enquanto as demais ciências estudam o
real, em todas as sua divisões, e procuram as razões ou primeiras causas, a
Filosofia se funda na realidade total e suas investigações se encontram no
âmbito das últimas razões. Mas, apesar dessa particularidade não existe ciência
que não esteja abarcada pela Filosofia. Portanto, nos que estudamos Filosofias,
estamos, ao mesmo tempo, conhecendo as demais ciências.
O lugar do filósofo é na praça pública como o fazia
Sócrates, entendendo-se a praça onde quer que esteja reunida mais de uma
pessoa. Se não vai usar a "maiêutica", poderá se ocupar da dialética
para a condução do caminho a ser percorrido para o bem pensar e transmitir.
É claro que não devemos nos ater sem tergiversação aos
princípios emanados do conhecimento Socrático, pois seu método era composto de
três fases: a ironia, a maiêutica e a indução. A primeira
levava o interlocutor, com suas perguntas, a tomar consciências da própria
ignorância e confessá-la.
Há os que fazem "tabula rasa" dos princípios
filosóficos, como se fossem perfeitamente dispensáveis e que não se pode mais
pensar neles num mundo globalizado, da cibernética e da informática. Todas as
respostas podem nos vir às mãos, dispensando horas de estudo e priorização
racional. Quem assim se dispor a pensar jamais buscará a verdade, que
práticamente não estará no outro, mas em si mesmo. Qual das ciências não teve o
colo maternal da filosofia?
A Filosofia pode dar a impressão primeva de que está
ultrapassada, que é da própria senescência, porque não estará incluída na
ciência experimental, através do seu pragmatismo e não pode ser anunciada
através de tubos de ensaios. Mas é ela quem aceita debater métodos científicos
como a razão do viver, o fator morte, a reencarnação, a distinção entre o bem e
o mal, do estabelecimento da visualização do belo e do feio. Não sendo possível
o conhecimento exato desses princípios, eles fogem do âmbito científico, mas
estarão proclamados dentro da indagação filosófica.
Ela constitui uma hipótese do desconhecido ou do que não há
exatidão do conhecer. Ela discute sobre o incerto e o inexplorado e abre campo
para a cientificação. Como já se pregou "a filosofia jamais renuncia a
considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. A visão da filosofia é
uma visão de conjunto" – "Se a ciência tende cada vez mais para a
especialização, a filosofia, no sentido inverso, quer superar essa fragmentação
do real, para que o homem seja resgatado na sua integridade e não sucumba à
alienação do saber parcelado".
Quando a Maçonaria preconiza a liberdade do homem, e o
define como livre e de bons costumes está praticamente fazendo filosofia.
Quando fala no Grande Arquiteto do Universo está falando na ciência filosófica
suprema: a Metafísica.
Descartes nos dá sua concepção sobre filosofia: "A
palavra "filosofia" significa o estudo da sabedoria, e
"sabedoria" não significa somente a prudência nos assuntos diários,
mas também um perfeito conhecimento de todas as coisas que a humanidade é capaz
de conhecer, tanto para a condução da vida quanto para a preservação da saúde e
para a descoberta de toda espécie de habilidade. Para que este tipo de
conhecimento seja perfeito, é preciso que seja deduzido de suas causas; assim
para começar a filosofar – e é esta atividade que o termo "filosofar"
se refere a rigor – devemos iniciar pela busca das primeiras causas e
princípios. Tais princípios têm que satisfazer duas condições. Em primeiro
lugar, devem ser tão claros e evidentes que a mente humana não possa duvidar de
sua verdade quando se toma em consideração atentamente; e, em segundo lugar, o
conhecimento de outras coisas deve dele depender, no sentido de que os
princípios devem poder ser conhecidos sem o conhecimento de outros assuntos,
mas não o contrário. Em seguida, ao deduzir desses princípios o conhecimento
das coisas que deles dependem, devemos tentar garantir que tudo o que retiramos
da cadeia completa de deduções seja muito evidente".
Como disseram alhures "a filosofia é a procura amorosa
da verdade"- Diria que a maçonaria, através da pedra filosofal de seus
ensinamentos, é a procura amorosa e incansável da verdade. É a Maçonaria em
ação, conforme dissemos.
Esse amor da Maçonaria com a verdade não pode vir a ser
compreendido como um diáfano da fantasia.
Kierkegaard proclamou: "Frustar alguém no amor é a mais
terrível decepção; é uma pedra eterna para a qual não há compensação, na vida
ou na eternidade". Assim, não podemos deixar que o maçom se fruste na
busca da verdade, porque estudando a filosofia maçônica outra coisa não estará
senão a colocando em movimento para o saber.
A verdade é o conhecimento do real. A filosofia é a busca da
realidade, logo é seu apanágio a verdade.
O problema da verdade é o problema do conhecimento. É o
ponto de partida de uma verdade primeira que não pode ser posta em dúvida como
se referiu Descartes. Sobre a busca da verdade mencionou que traz em si a concepção
de que a "luz natural" inata ou "luz da razão", infundida
em cada um de nós, leva-nos mais longe na estrada do conhecimento, do que toda
sabedoria herdada no passado.
A única sobrevivência entre a vida e a morte é o amor.
Quando o homem ama não está mais a mercê de forças maiores do ele próprio, pois
torna-se poderoso. Se eu encontrar a verdade eu estarei a amando, por isso devo
procurar na filosofia essa verdade transcendental, não a minha, não a de
outrém, pois cada um tem a sua verdade, mas aquela que seja uma verdade em ação
e não em potência. E a Maçonaria o é. E através dela se pode filosofar. É o que
nos disse Kant: "não há filosofia que se possa aprender; só se pode
aprender a filosofar". E, filosofar é dar sentindo à experiência. A essa
experiência que os Grandes Inspetores Gerais do Brasil têm, não como resultado
dos seus anos de trato com a filosofia maçônica, mas, também, pelo passear
pelos Graus 4 a 33, abeberando neles ensinamentos seculares e que constituem o
alicerce de um Templo Indestrutível que a filosofia maçônica tende a erigir.
A Filosofia Maçônica é a "Paidéia", e a
constituinte da formação do maçom. Essa Filosofia Maçônica irá, sem sombra de
dúvidas, transformar o aprendiz, burilando, aprimorando as suas qualidades,
possibilitando que alcance um nível maior do conhecer. Ele irá descobrir a si
próprio, aprimorar-se e, certamente, terá um vislumbre melhor da vida e, por
conseqüência, uma experiência profícua.
Podemos dizer que o povo maçônico é o povo filosófico por
excelência. Ele pauta sua vida e a ação por ela exigida, em princípios ideais
impostergáveis e justos, princípios esses rigorosos, mas que vão constituir a
sua evolução imprescindível.
"ORDO AB CHAO" (Ordem no Caos), é a imperatividade
que nos depara ao adentrarmos a Câmara do Supremo Conselho do Rito Escocês
Antigo e Aceito. Certamente que essa norma não se atém à Filosofia Cosmogônica,
mas, principalmente, que continuemos através dos ensinamentos da Filosofia
Maçônica, que substituamos o Caos do preconceito, pelo trabalho incessante e
dedicação sem par, pelo nosso aperfeiçoamento, uma vida que não seja obstruída
por dogmas, mas por princípios que prega nossa necessidade de chegarmos a
perfeição ou, que ela seja constantemente procurada para que ordenemos o Caos
de nossa alma e de nossos conhecimentos, fazendo exsurgir a luz da verdade.
Se Sofistas possam erigir pensamento em contrário ao que
dissemos, lançamos nossas quatro preocupações essenciais: "O que
Somos, Donde viemos, Para onde vamos e Qual o nosso
Dever".
A materialidade, o concretismo, não está envolvido nestas
endagações.
É a Metafísica. A ciência primeira, isto é, a ciência que
tem como objeto próprio o objeto comum de todas as demais e como princípio
próprio um princípio que condiciona a validade de todas as demais.
Por essa razão ela não está preocupada em discernir,
determinar o campo em que haverá uma necessidade imperiosa da sua atuação.
Ela já tem as suas diretrizes traçadas desde o seu
nascimento, sempre atual, os princípios da Constituição de Anderson e inseridos
no Artigo 1º da Constituição do Grande Oriente do Brasil. Ali está referido que
a Maçonaria é filosófica. Determina que deve haver a prevalência do espírito
sobre a matéria, o pugnar pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e social da
humanidade, o combate à ignorância. Isso é Maçonaria. Isso é Filosofia. Que
esta filosofia faça ser inscrito em nossos corações a divisa: Liberdade
com Ordem, Igualdade com respeito e Fraternidade com Justiça.
Em 7 de janeiro de 1994 a Resolução SE-5 da Secretaria da
Educação do Estado de São Paulo, determinou a inclusão no currículo do segundo
grau de pelo menos duas das seguintes disciplinas: filosofia, sociologia e
psicologia.
Com a escolha da filosofia estará procurando fazer com que
ela venha para as ruas, saia dos gabinetes e faça com que os jovens possam
questionar o "status quo" social-econômico-político.
Marilena Chaui, filósofa, defendendo a volta da filosofia ao
secundário, informa que os professores e alunos beneficiários com o seu trato
tiveram ampliada a capacidade e desenvolveram as possibilidades de pensamento
conceitual. Dá a tônica da situação dos estudantes mencionando o despreparo. E,
com esse despreparo estaremos impossibilitando o modificar da situação social
no seu todo, impondo uma nova forma de pensar e acabando com o sistema vetusto
de "quanto pior melhor".
Ela – Marilena – nos puxa a orelha: "Mas levei um susto
quanto aos estudantes. Refiro-me aos estudantes de graduação do primeiro ano de
filosofia, para os quais dei aulas no segundo semestre de 93. Numerosos
interessados, mas totalmente desesperados (com as exceções de praxe);
desconhecem a história da filosofia, desconhecem línguas estrangeiras, têm
enormes dificuldades com a língua portuguesa, dificuldades para lidar com
conceitos".
Não se pode aceitar que esse alerta possa alcançar os maçons
que do Grau 4 a 30 estudam filosofia ou será que também podemos nos ver
refletidos nesse espelho decepcionante ?
Se somos maçons a verdade está em ação e com ela nosso saber
filosófico. Nos somos os Cavaleiros, os Cruzados do Terceiro Milênio, que
levarão no peito a Águia Bicéfala, repousada na espada, encimada pela Coroa
como a dizer que reinaremos no mundo colocando "Ordo ab Chaos"
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O Ir. Marigildo de Camargo Braga é advogado, psicólogo e
astrólogo. Com quase 50 anos de Ordem, é membro da ARLS ..... , GOB, possuindo
extenso e denso currículo maçônico. Atualmente ocupa o cargo de .... e é membro
de diversas entidades de estudos e pesquisas maçônicas dentre elas a Loja de
Pesquisas Quatuor Coronatti do Brasil. Na vida profissional é Procurador do
Estado de São Paulo.
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BIBLIOGRAFIA
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"Filosofando. Introdução à Filosofia" – 1992 – Ed. Moderna Ltda. –
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Brasil, Estela T.V. – "A Divina Filosofia Grega ( Uma apreciação do misticismo expresso na filosofia grega )" – Biblioteca Rosacruz – Ordem Rosacruz, Amorc – Ed. Grande Loja do Brasil – 1989 – Paraná.
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Entrevista de Marilena Chaui – "Folha de São Paulo" – 1.5.94 – fls. 6
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